quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Die Winterreise (A Viagem de Inverno) de Franz Schubert

Ciclo de canções para Canto e Piano
Música Erudita
10 de Outubro, sexta-feira, 21h30, Grande Auditório
Entrada: 5 euros
M/3
Duração 90 m
«-BARITONO – ANTÓNIO SALGADO
PIANO – ÁNGEL GONZÁLEZ-»

Winterreise op. 89 (1827) de Franz Schubert
Os textos de Die Winterreise de Wilhelm Müller que Franz Schubert musicou em 1827, um ano antes da sua morte, são um espelho do mito de Wanderer cujos demónios nos conduzem às regiões mais profundas e frias do ser. Influenciado pela literatura grega e romana, o folclore, a ópera e o drama alemães, e a poesia inglesa e alemã do século XIX, Müller escreve este ciclo de poemas entre 1822 e 1824 o ano da morte de Byron.
Die Winterreise caracteriza-se pelo imaginário romântico e pelos arquétipos empregues em que o mito de Wanderer e da viagem de inverno, temas favoritos dos românticos, traçam uma longa história desde as civilizações mais antigas. A linguagem empregue pelo poeta, a sua apreciação da música, do teatro e das artes visuais, assim como da tradição romântica inglesa e alemã do século XIX, forma um solo fértil para a criação de Die Winterreise. Das várias influências que sofreu, destacamos a poesia mística de Blake, de onde Müller absorveu a ideia de uma psyche humana dividida, o espectro de uma jornada através da vida ao encontro da sua sombra, a emanação, associação que traz tristeza e consequentemente o espírito criativo. Para Müller os poemas são concebidos para serem cantados, afirmando no seu diário em 1815: “eu não posso nem tocar nem cantar, no entanto, quando escrevo versos, canto e toco. Produzindo melodias, as minhas canções podem ser mais agradáveis. Mas coragem! Talvez exista um espírito iluminado algures que possa ouvir as tonalidades das palavras e trazer-mas de volta”. Este espírito iluminado foi Schubert que musicou do autor não só Die Winterreise como Die schöne Müllerin.
Schubert começa a trabalhar neste ciclo de canções sem conhecer a totalidade dos poemas de Müller. Este facto faz com que utilizando a última ordenação de Muller, rompa com a estrutura musical entretanto elaborada. Frequentemente tido como autobiográfico este ciclo deve ser percebido como uma forte articulação psicológica e em sentido metafórico. Winterreise é um sonho, uma visão da viagem que Wanderer efectua através da mente e do coração até às profundezas da alma. A acção situa-se na psyche humana; Wanderer transcende-se a si próprio utilizando elementos da natureza como símbolos de verdades inquestionáveis. Através de Winterreise, assim como de toda a literatura romântica, a natureza espelha o homem. As progressões musicais e metafísicas revelam-se manifestações de viagens psicológicas. Nestas canções, Schubert traduz várias emoções tanto físicas como psicológicas, nomeadamente o batimento cardíaco presente na interação entre piano e voz assim como nas variações de tempi de Der stürmische Morgen, no galope de Die Post, na languidez de Einsamkeit e na magnificência de Wasserflut e Das Wirtshaus. O desejo domina em Die Wetterfahme; o pessimismo em Gefror’ne Tränen; a violência, a angustia e a agitação em Rückblick; a dúvida em Auf dem Flusse; a resignação em Das Wirtshaus; o desespero em Der stürmische Morgen; o cinismo em Mut; a tristeza em Der Leiermann; a premonição em Die Krähe e a ansiedade em Die Post. Os recursos técnicos e estilísticos empregues, nomeadamente a modulação, a constante mudança de modo e tonalidade, e a repetição de melodias folclóricas traduzem o espírito de Wanderer. O ciclo termina com uma interrogação cuja resposta é um dado existencial. A música de Schubert, descrevendo e traduzindo fielmente o mito, as emoções e os sentimentos, confere-lhe um dramatismo e uma força peculiares, sendo um exemplo de perfeição na forma como o compositor os visualiza e transforma em realidades sonoras. Traduzidas por estruturas musicais, melodias, harmonias, ritmos, timbres e texturas de uma beleza e profundidade únicas, estas canções revelam a vivência humana e o que de mais profundo existe no ser humano. Nas canções que compõem o ciclo notamos ainda a preponderância do ritmo dáctilo, o ritmo da morte. Encontramos a tristeza e o desespero de Schubert, a profundidade dos seus sentimentos e emoções, no protagonista da acção.
A simplicidade da escrita realça a natureza dos sentimentos expressos. Como uma imagem pintada, este ciclo de canções transcende-se na música do compositor e na cor branca do gelo e da neve, a página vazia onde se escreve o futuro.
Helena Santana

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